19 de maio de 2009

Nativos digitais transformam forma como ser humano se comunica


OS INTERNACIONAIS - Guilherme Moura Ignácio, de 9 anos (à esq.), faz amigos estrangeiros jogando Pokémon. “Nem preciso saber inglês”, afirma. O irmão, Frederico, de 11 anos, fã de games, ajuda Guilherme a se conectar com os parceiros internacionais.

Eles são capazes de ver TV, ouvir música, teclar no celular e usar o notebook, tudo ao mesmo tempo. Ou seja, são multitarefas. Adoram experimentar novos aplicativos, têm facilidade com blogs e lidar com múltiplos links, pulando de site em site, sem se perder. Interagem mais uns com os outros; “acessam-se” mutuamente para depois se conhecer pessoalmente. Esta é uma pequena descrição dos Nativos Digitais, termo que define os nascidos depois dos anos 80. Opondo-se a eles estão os Imigrantes Digitais, outra terminologia recente que engloba as pessoas que não nasceram na era digital mas que estão aprendendo a lidar com a tecnologia -ou, em alguns casos, até mesmo se recusando a aceitá-la.

Expressão cunhada em 2007 por Marc Prensky, pensador e desenvolvedor de games, o termo Nativos Digitais está sendo estudado como um fenômeno que pode causar impactos inclusive no mercado de trabalho. Hoje, essa geração representa 50% da população ativa (pessoas de até 25 anos), mas em 2020, com o crescimento demográfico, eles serão 80% da população.

“Se você quer entender a Geração Internet, você precisa entender o futuro. E meu filho frequentemente me lembra que o futuro é agora”. A frase, de autoria de Don Tapscott, autor de Grown up Digital e também do famoso Wikinomics resume bem o novo conflito de gerações. Isso porque a nova geração, também chamada de Y - termo rechaçado pela maioria dos pesquisadores - já se apropriou dos meios digitais e, agora, se comunica e se informa, age e até pensa de forma “diferente”.

Luíza Mitke, hoje com 11 anos, é a típica representante da geração de Nativos. Assim como a maior parte dos seus amigos, ela passeia com naturalidade por redes sociais online, usa MSN, celular, tem email e blog - ou seja, domina a internet. Para Luíza, a rede é apenas mais um meio, não uma assustadora novidade. Ao mesmo tempo, saca tanto de computador que foi a responsável pela inclusão digital da mãe e da avó. Dos meios “analógicos” comuns à geração anterior, só conhece a máquina de escrever, que no entanto nunca chegou a usar. Carteiro, então, ela só viu passar na rua.

"Realmente não sei como mandar uma carta direitinho", diz ela. Luíza faz parte, diz o estudioso do assunto e consultor em Inovação e Tecnologia Volney Faustini, da geração “banhada em bits”, que está promovendo uma mudança radical na forma como o ser humano interage com o mundo. De acordo com Faustini, é possível um imigrante digital conviver em harmonia com a nova geração, mas este nunca vai perder o “sotaque”:

"Como imigrantes digitais, falamos com sotaque. O nativo fala a linguagem digital com naturalidade e pertinência. Ele sabe inclusive ler na tela do computador. Já o imigrante não tem a mesma desenvoltura, a mesma fluência. Não à toa, este ainda imprime emails para ler", diz o estudioso. O especialista Volney Faustini cita uma analogia para explicar como um imigrante digital pode lidar bem (ou não) com a nova geração Web: um estrangeiro que chega no Brasil pode aprender a falar português fluentemente (com sotaque) e se sentir à vontade, “em casa”, ou viver aqui 40 anos e nunca perder o sotaque carregado e continuar se sentindo um peixe fora d´água. Se é possível uma boa convivência? Sim, mas as diferenças vão continuar existindo.

O jornalista Fausto Rêgo, pai de Luíza, é daqueles que se enturmaram, a ponto de ter mais características de nativo digital que de imigrante. "Apesar de ser um “nativo analógico”, fiz bem a transição. Me encantam as possibilidades da tecnologia, a quebra de hierarquias gastas, a capacidade de fazer mais com menos. E isso tudo mesmo me assumindo um sujeito linear e sequencial, que faz uma coisa de cada vez. Minto: até faço, $me incomoda dar conta de várias tarefas ao mesmo tempo. Deve ser bug meu".

Para Faustini, não é bug não, é o uso da tecnologia que faz com que o imigrante se adeque à nova realidade. Ele cita o estudioso Malcolm Gladwell, para quem são necessárias dez mil horas para que qualquer pessoa tenha fluência em qualquer coisa - como idiomas em geral e a linguagem digital em particular: "O nativo está mais pronto para a tecnologia. Estudos indicam que nossos filhos têm plasticidade cerebral diferente da nossa. O que pode explicar que ele seja capaz de fazer muitas coisas ao mesmo tempo, como assistir TV com fone no ouvido e teclando no PC", diz Faustini.

O pensador e especialista em computação Silvio Meira cita o “tecnólogo” inglês Douglas Adams para explicar a geração nativa digital. Disse Adams que “tudo o $existe quando você nasceu é absolutamente normal para você”. "Tenho email há 28 anos. Não sou imigrante, faço parte da tecnologia. A questão não é de idade ou de percepção, e sim de entender a mudança de cenário", diz Silvio. Lembra ele que a tecnologia é rápida demais, e que é necessário correr atrás.

"A cada 18 meses dobra a capacidade de processamento dos micros; a cada 12 meses, a de armazenamento; já a velocidade de transmissão de dados dobra a cada nove meses, enquanto o preço de tudo permanece o mesmo. Na hora em que se percebe isso, é preciso se perguntar: “onde estou?”. Muita gente espera que a tecnologia esteja aí pelo menos por dez anos até se adaptar a ela, como foi com a internet. Aí vem uma geração nova que vai te passar para trás e tomar seu lugar", diz.

Outra que não se encaixa na categoria “imigrante” é Ana Cristina Fiedler, mãe de Bruno, de 10 anos. Embora admita que o filho é mais capaz de lidar com muitas coisas ao mesmo tempo, ela cria para si uma nova categoria: a dos “migrantes pendulares”. "Não diria que sou uma imigrante, mas lidando com a internet a gente aprende todo dia. Talvez eu seja a tradicional migração pendular, que a gente viu nos livros escolares sobre as pessoas que moravam em Niterói e trabalhavam no Rio: vamos e voltamos todos os dias", diz ela.

A internet surgiu na vida de Ana quando ela estava entrando no mercado de trabalho e alterou completamente a forma como ela exercia suas funções. "Isso criou uma janela de oportunidade para quem estava começando. Lembro que, naquele período, muitas vezes expliquei como as coisas funcionavam para chefes. Acho que esse aspecto é o mais interessante da internet: o F5 (tecla de “atualizar” no teclado) eternamente pressionado. Agora, por exemplo, estou tentando me adaptar a essas novas formas de comunicação via redes sociais e microblogs", diz.

Redes que seu filho Bruno já domina e bem. Ele usa celular e internet todo dia, conversa no Orkut e no GTalk com os amigos, usa o Google para pesquisas mas sente falta de uma aproximação maior dos professores com a tecnologia, questão levantada por todos os especialistas. "Coordenadores de escola, educadores e diretores estão apáticos. A escola é teórica, mas o vetor digital, que não está sendo levado em consideração, transformou a sociedade de forma radical. É como afinar o violino no convés do Titanic", diz Faustini.

Na opinião do educador Muniz Sodré, é errado pensar que a interatividade e o “digitalismo” são propriedades da máquina. E é assim que os professores pensam. "Este é um momento polifônico, de vozes que precisam se juntar. Os professores ainda estão num modelo criado no Século XIX, o de prisão e igreja, no qual o professor é um pregador e a interatividade é mínima. Mas a era polifônica obrigada que o ambiente seja interativo. Eles precisam se abrir para as novas tecnologias e as novas formas de pluralidade".

Da Agência O Globo
Foto: Revista Época

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