19 de janeiro de 2011

100% Concetados

Autores se apropriam dos dispositivos tecnológicos para repaginar a prática literária

MÔNICA MELO Autor Wilson Freire vem postando no microblog capítulos de um romance

Quando o assunto é a apropriação das novas mídias a serviço da prática literária, fica em destaque o Twitter como plataforma privilegiada por parte de escritores obcecados pelo exercício da concisão. Entre os adeptos mais fervorosos do meio, vale citar o autor gaúcho Fabricio Carpinejar, responsável pela postagem de aforismos e frases de efeito, além do pernambucano Marcelino Freire, que pretende alcançar, na rede social em questão, os 1.001 contos nanicos. Depois de publicar o livro de micronarrativas “Curta-Metragem” - contos com até 600 caracteres - e incentivar iniciativas semelhantes, editando as coletâneas “Expresso 600” e “Histórias Liliputianas”, o escritor, roteirista e editor Edson Rossatto lançou, recentemente, o livro “Cem Toques Cravados”, resultado da disponibilização, no Twitter, de nanocontos de sua autoria com exatos 100 caracteres. Em reforço à ala de autores conectados, no mais amplo sentido do termo, o médico, cineasta e escritor pernambucano Wilson Freire vem postando, no seu perfil na ferramenta (@freirewilson), supostos capítulos de um romance. A ideia é liberar 140 deles, cada qual com até 140 caracteres.
Antonio Carlos Xavier, professor em Linguística do Departamento de Letras da UFPE e coordenador do Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias Educacionais (Nehte), esmiúça a inclinação dos escritores em adaptar o fazer literário às demandas do seu tempo, preservando as características dos gêneros da arte literária: “A literatura, enquanto trabalho estético com a linguagem verbal, apropria-se dos dispositivos tecnológicos do seu tempo para inovar-se, ampliar sua capacidade de contar e mesmo de inventar ações e trajetórias humanas sobre a Terra. Sensíveis ao seu tempo, autores criam formas outras de exercer seu talento para o tratamento literário do verbo em narrativas e reflexões. A brevidade e a sutileza no relato dos fatos ou invenções são desafios impostos pelos novos tempos tecnológicos, que não impedem aos contadores de histórias que executem o seu fazer. Antes, reinventam-se enquanto contistas e romancistas em nanoespaços virtuais sem comprometer a estética da arte literária. Transmutam gêneros literários nascidos na era da prensa de Gutemberg para a imaterialidade do virtual de Bill Gates”.
Marcelino Freire pretende postar, no Twitter, 1.001 contos nanicos

O especialista vê com entusiasmo a exploração dessas mídias pelos autores na tentativa de atrair as novas gerações para a fruição de obras mais robustas: “A maioria dos jovens desta ou de outras gerações lê e escreve bastante textos curtos e superficiais. Sempre foi difícil fazer um adolescente ler, pois é próprio da idade buscar prazeres em atividades que exijam menos concentração e estagnação em um só lugar por mais de 30 minutos. Mas todos precisam ampliar seus horizontes de conhecimento e ler autores clássicos. É uma questão de direito e de necessidade de conhecer realidades outras reveladas em obras literárias de tempos idos. Hoje é possível acessar livros de autores canônicos sem sair de casa e sem pagar. Nunca a informação esteve tão disponível. Sobretudo agora que autores es­tão propondo, na internet, a adaptação de gêneros literários velhos conhecidos em es­paços novos. A reconfiguração de tais gêneros, no limite, funciona como portal de acesso e degustação ao mergulho em obras literárias mais densas”.

Outra reflexão pertinente diz respeito à orientação de autores em reproduzir, no meio impresso, a experiência literária praticada na rede. O livro “www.twitter.com/carpinejar“, do escritor gaúcho, serve de exemplo. As iniciativas de valorização também do meio impresso atendem, na visão do especialista, à constatação de um misto de encantamento pela cultura digital e nostalgia pela cultura escrita entre o público leitor. “As pessoas ainda gostam do ritual de ‘pegar’, ‘cheirar’ e ‘abraçar’ o conteúdo. Enquanto houver essa expectativa, haverá publicação de conteúdo em forma de livro, com lançamento, autógrafos e coquetéis. Hoje podemos dizer que o suporte digital divulga bem as ideias que são ratificadas pela impressão. A parceria vai continuar por algum tempo, tal como durou a parceria entre o texto manuscrito pelo copista no pergaminho com o texto impresso pela prensa no papel. Questão de tempo, de pouco tempo”, acredita.

Fonte: http://www.folhape.com.br/index.php/caderno-programa/612722-100-conectados

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